Km 12. Havia pulverizado meu melhor tempo. Meu GPS havia resolvido parar exatamente na hora da prova e eu não acreditei quando olhei um relógio na rua. Tive que consultar um corredor ao lado. Sabia que estava puxando o ritmo, mas pelo percurso, teria os quilômetros mais fáceis da prova e uma alegria imensa me tomou por completo. Eu havia tido tantos problemas que o simples fato de estar ali, já era motivo de comemorar e então algo me levou para outro estado mental. Entrei em uma espécie de transe que simplesmente não me recordo de absolutamente nada. Isso se deu até o km 21 que foi quando saí dessa hipnose.

Vale ressaltar que a maratona era em São Paulo e eu conhecia exatamente o trajeto tendo já treinado por ele e na hora nem me dei conta disto. Quando despertei desse estado, verifiquei novamente o tempo; eu corri cerca de 45 minutos sem perceber, dali em diante foi chegar e não acreditar no que eu havia feito. Eu simplesmente não quis ir embora da arena. Quis curtir o momento, os amigos e a mim mesmo.

Alguns dias depois eu comecei a me tocar do apagão de minha mente e cheguei a me questionar se eu havia saído do percurso, cortado o caminho…. No entanto, as fotos oficiais, assim como as passagens pelos tapetes de cronometragem comprovavam o que eu havia feito.

Era minha terceira maratona e sempre disse aos próximos que precisava de 4 edições para decidir se eu deveria me submeter a treinos tão pesados novamente, mas o êxtase dessa me fez querer outras e fui para a próxima maratona esperando por este momento novamente. Não rolou. Na quinta também não rolou. Ambas provas que me preparei e tinha expectativas…

Na sexta, outra vez tive alguns problemas, corri até sem relógio, sem maiores pretensões. Larguei. Dessa vez junto a um amigo, sendo a ideia: percorrer os 42.195m ao lado dele. Em um certo momento ele teve de parar para uma rápida ida ao banheiro e eu continuei. Desta vez a prova era em Floripa e eu reverenciava o dia que raiava e a beleza da prova. 

Essa prova específica tem uma passagem de ida em um túnel no km 15 e no 26 em sua volta e os túneis costumam ser pesados nas maratonas. A questão é que ao entrar no túnel e ver a marcação 15k, uma alegria me deu. Alegria de entrar leve em um ponto pesado da prova. Abri um sorriso e senti o marejar nos olhos. O estado de nirvana foi percebido pouco tempo depois. Avistei a placa de 16k e aquilo me confundiu. Eu havia dado cerca de dez passos e chegado em outro quilômetro? Impossível, mas aquilo me deu uma euforia que ainda era sentida no 17k, ou, mais dez passos. Entendi que havia entrado novamente em um estado mental de fluidez. Diferente da primeira vez, eu me recordava do percurso, de detalhes do percurso inclusive, mas a minha relação de tempo estava alterada. Dei cerca de dez passos novamente e avistei a placa 18k. Eu não consegui me conter e comecei a gargalhar durante a corrida. Obviamente não é possível correr percorrer um quilômetro com dez passos, mas essa era a sensação no momento, uma sensação surreal!

Completamente fascinante e diferente da primeira vez, eu lembrava de muita coisa, pessoas, inclusive. Eu me lembro do Helder, um amigo que me cumprimentou no meio dos dez passos para o k19. No k20, minha vez de ver o amigo que largou comigo. Dez passos e k21. Metade da prova era hora de tomar meu BCAA, de repente ele cai ao chão. A parada um tanto quanto brusca para voltar para pegar o BCAA me fez começar a voltar para a prova. Foram 20 passos para o k22 e talvez uns 30 nos próximos até o k26. Embora de volta no túnel e ainda feliz, estava de volta para a dureza de uma maratona. 

Não fazia a menor ideia do meu tempo, mas me sentia extremamente bem fisicamente. No k30 encontro o Neylon. Um amigo maratonista e lhe pergunto o tempo. Fiquei absolutamente surpreso com o tempo e comecei a fazer contas. Seria possível eu bater meu tempo, mas a sabedoria de algumas provas longas me fez preservar minhas energias pois em ambas as vezes, depois do k30, a maratona cobra o seu preço. Preferi chegar inteiro e com o meu segundo melhor tempo.

No dia posterior, era impressionante o quanto eu estava bem fisicamente. Sem dores.

Não tenho como explicar o que me aconteceu. Apenas que das vezes que relaxei e corri pela corrida, fui arrebatado pela certeza de que correr com leveza, torna a corrida muito mais prazerosa do que sempre correr com “a faca nos dentes”.

Muita corrida e leveza para vocês.